quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Formalista e o Hermeneuta

.

(a partir do cordel:
Discussão do macumbeiro e o crente
de Gonçalo Ferreira da Silva)


A leitura de um texto
é uma coisa pessoal,
cada um tem sua própria
interpretação pra dar.
Aquela mesma história
que cá leio dessa forma,
podes ler de outra lá.

Formalista e Hermeneuta
não pensavam igualmente,
pois enquanto o Formalista
diz que entendeu direito
Hermeneuta, dedo em riste,
batendo forte no peito,
diz: “Eu sim que entendi!”

Porém, embora pensassem
de maneira diferente,
nunca tinham discutido
porque até o presente
não tinham, por sorte rara,
nenhuma oportunidade
prum encontro frente a frente.

Mas um dia o Formalista
rumo à academia
avistou o Hermeneuta
que seguia seu caminho,
caminhando ao seu estilo.
Já foram trocando insultos,
discutindo as leituras.

Onde os dois se encontraram
tinha uma praça bela
e um homem na barraca
vendia ali seu cordel.
Foram lendo um livrinho
para servir de exemplo
pro que iriam discutir.

“Mas que erro monstruoso!”
Foi dizendo o Formalista
“És um péssimo leitor,
pois o fio que te guia
não está no próprio texto
o que te dá o pretexto
para ler como quiser.”

Hermeneuta respondeu:
“Veja bem, seu ‘cientista’,
bem metido a lingüista,
leio como eu quiser.
quem vê só o próprio texto
esquece o que é mais simples:
o que ele quer dizer.”

Não era tarde da noite,
umas dez horas, e tantos,
começou a chegar gente,
vinda de todos os cantos,
outros vinham feito loucos
os que há pouco eram poucos
já não se sabia quantos.

A praça ficou lotada
de toda espécie de gente,
muitos pelo Hermeneuta,
outros pelo Formalista.
Os aplausos ao combate
serviam para o debate
ficar cada vez mais quente.

Hermeneuta foi quem disse:
“Olha, você quer saber?
Da leitura você tira
toda chance de prazer
O que diz é por um triz:
‘impossível conhecer!’
Lê tão perto que não vê.”

E o Formalista falou:
“Você não diz o que quer,
mas o que a língua permite.
Não precisa ficar triste...
Também, ler como quiser,
já é coisa de um místico,
alguém com superpoder.

Pode chamar o deus Hermes,
ou alguma entidade.
Mas, não espere de pé
pra não doer a lombar.
Sua leitura é social,
já o encaixe desse texto,
isso nunca vai mudar!”

E o Hermeneuta falou:
“Um Deus não é pra ser chamado
Pra o nosso bate-boca.
O sentido encontrado,
o que o autor desejou,
é o mesmo, tanto hoje
como há muito tempo atrás.”

Formalista respondeu:
“Veja, enquanto a sua
linda interpretação
busca um sentido oculto,
eu olho a composição.
Vê se entende, criatura!
Não enxerga a estrutura?”

“Sim, enxergo a estrutura
muito além da própria forma.
Acho que tu não devias
fazer essa vista grossa
à fenomenologia.
Tenha ao menos a decência
de não negar a essência!”

O outro seguiu a glosa:
“Muito além de duvidosa,
sua leitura é perigosa.
Muito sangue já correu
devido ao que se escreveu.
Sua visão tradicional
está longe da atual.

Texto e realidade
já nos fazem a bondade
de entregar numa bandeja
qualquer coisa que nos seja
preciso para entendê-los.
Não tem o que complicar,
nada atrás pra desvendar...”

E Hermeneuta dispara:
“Eu fico me perguntando,
se você não lê jornal?
Crê que o que está se falando
não se liga ao real?
Se recebe um bilhete,
confunde com um enfeite?

Faço ainda nova crítica:
Toda a tua estilística
Não passa de niilismo!”
E um espectador quis
Hermeneuta agredir
A turma do “deixa disso”
Fez o intruso sair.

A discussão nesta altura
já parecia uma briga,
ia ofensa, vinha vem ofensa
e no meio da intriga
que parecia arruaça
a platéia achava graça
de dar cãibra na barriga.

Formalista prosseguiu:
“Texto só fala de texto!
O que leste foi mentira,
e ela está em ti.
Não tem o que insistir.
Tu és mais que junguiano,
Verdadeiro leviano!”

“Sua análise se esgota
nela mesma. Ela é, pois,
um simulacro da obra;
só formaliza uma coisa
que no texto é informal.
Se crês na totalidade,
é por pura vaidade!”

Eles tinham energia
na garganta como poucos
dando socos no espaço,
já completamente roucos.
Uns riam pelo que viam,
outros riam dos que riam,
era um festival de loucos.

Ninguém mais se entendia
no meio da discussão.
Semiólogo deixou
o cordel cair no chão.
Foram partindo pra briga,
e não deram a menor bola
nem pra essência nem pra forma.

Tanto soco, pontapé,
que, quando se viu, até
Formalista interpretou e
nexo oculto revelou.
Parecia possuído,
tomado por um espírito.
Vejam só, mas quem diria...

Hermeneuta em outra mão,
tamanha a dificuldade
de sustentar sua visão,
foi partindo pra maldade,
saiu dando safanão;
esquecendo o que aprendeu
com os livros que já leu.

As pessoas ao redor
não sabiam o que fazer.
Separar aqueles dois,
ou deixar couro comer?
Não podia ser possível,
mas será que aquela era a
única chance de síntese?

Quando o guia incorporado no
Formalista foi embora
novamente pro outro lado,
todo o pessoal presente,
entre charadas e risos,
muitas risadas festivas,
mangavam do formalista.

E também o Hermeneuta
não escapou à zoação.
Com a cara bem marrenta,
seguiu sua direção,
saindo da discussão.
Fez o mesmo o formalista,
Prosseguindo seu caminho.

Hermeneuta em sua casa
lia o poema da briga
dando a vitória por certa.
De outro lado o Formalista,
na sua academia,
também lia a epopéia
certo que tinha vencido.
.

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